31.3.10

REQUIÉN PARA UM SURTO LACANIANO/TEMPLÁRIO EM BAGDÁ; A catarse que precede o êxtase...





























Em dia que eu não quis ir para firma, saí pra pegar um uísque falsiê com o Pelão, que acabara de abrir a boate pra dar um talento no bar. Me passou dois. Na saída a encontrei.

Eleonor.

Em suas madeixas tingidas com tintura vagabunda e em seus olhos fundos de tanta olheira, residia toda a decadência da City. Nem sempre foi assim. Houve um tempo que eu a achava a cara da Anouike Aimée. Quanto a francesa não sei mas, no caso Eleonor a decadência intrínseca daquele lugar acabou com ela. Estava um lixo. Sem banho, serrando cigarro, fedendo... A chamei pra subir, tomar um banho e comer alguma coisa e ela estava lá a não sei quantos dias. Em casa, Eleonor também foi ficando...

A porra da pia transbordando de pratos, copos, uma zona. Eleonor não sabe, ou não quer mesmo, lavar a louça direito. Deveria estar caída no banheiro. Escutei alguma coisa, um barulho e parecia gente se esborrachando no piso. Nem era tão ruim.

Quando está calor, eu deito no piso frio do banheiro. No inferno deve ser mais ameno que esta porra de quarto. O gato me acompanha sempre. Dá uma olhada pros lados e solta o pouco peso no chão. Nunca me lembro como cheguei ali, no chão do banheiro. Nessas horas eu penso; “Como cheguei tão baixo?”

Pra evitar a visão de que qualquer coisa que se transformasse em uma lembrança desagradável me levantei do velho sofá e fui até a cozinha ver se havia sobrado algo pra dar um gole. Olhei novamente a pia...

Entre a bagunça um daqueles de velhos garrafões de “veneno” cor de fumo. Peguei um copo, um desses baixos, sujo, vagabundo mesmo. Tiro e queda...Por que Eleonor não lava pelo menos os copos direito?

Mulher desgraçada...





A HIPERBÓLICA SEQUÊNCIA SILÁBICA MÍSTICA E UMA VALSA EMBALANDO O CALVÁRIO DOS DESQUALIFICADOS













Dia filha da puta, noite de insônia cruel, porra nenhuma pra fazer dentro do meu quarto fétido; Todo uísque vagabundo acabou, nenhum miojo na prateleira, nos cinzeiros, todas as bitucas de um maço que até pouco tempo atrás era cheio dos pequenos barulhos vivos do laminado e nicotina. Na tv nem um David Lean, nem pinga e minha paciência, jaz... Não da pra ficar deitado, empacotado embaixo de cobertores.

Decidi cair pra fora.

Descendo a escada passei pelo balcão onde a gorda sindica fica. Tava lá de joelho pagando um boquete pra um michê. Até conheço o tipo; Ao sair me fez um aceno.Deus e o diabo devem estar de sacanagem comigo.

Na calçada, a galera da boate vizinha me fez um sinal. Atravessei a rua e fui até lá. Perguntei se tava “bom” o negócio lá e me disseram que estava melhor, que demorei muito pra colar na parada. Normal... Sempre estou bem longe da história toda, a vida inteira estive onde não deveria estar. É um talento nato e um trabalho ruim que sempre me faz perder a festa.

Saí andando.

Olhei meu velho relógio casio; Ele apontava 03:43 horas da manhã.

Ninguém, nem um cachorro sarnento sequer, na rua. Eu sei que a esta hora berlim deve estar começando a esquentar com todas aquelas pessoas querendo um pedaço da porra do muro, mas cá na City, só escombros. Todo cheiro de mijo que meu nariz inala, banha as desgraçadas histórias de vida daquelas pessoas amotinadas em seus quartos, chafurdadas em suas kitinetes de barro.

Desci a rua e parei no botecão da esquina. Sabia que era dia de carteado na salinha de estoque de bebidas. Dei o sinal e me liberaram a entrada.

Um anão cego dava as cartas. Isso me intriga.

Nunca confiei anões, mas decidi arriscar meus 30 contos. Tinha acabado o caxetão e começava as batidinhas de 10 pratas a rodada. Perdi as duas primeiras, depois só ganhei. O dia clareando e eu com 120 pratas no bolso e vários conhaques na cabeça. Cismei com o anão crupiê.

Passei a mão na frente dos olhos do filha da mãe, pra ter certeza de sua cegueira e sem vacilar o puto sacou uma pistola prateada, das grandes bem no meio do meu nariz:

Vaza daqui maluquinho”

Obedeci.

O velho casio me mostrava que já era 07:17 horas da manhã. Decidi ir tomar um café bem quente. Entrei numa espelunca “mama batatas fritas”.

Quem esses italianos pensam que são? Que porra de lugar teria um nome assim? No rádio, em cima da geladeira, uma voz dizia que em NY o papa usa sapatos de salto 15 e muita maquiagem, pra esconder as rugas. Depois entrou uns negrões que mandavam um funk moderno e barulhento,descrevendo o que eles fariam com uma branquela que se perde no gueto enquanto vai às compras. Filhos da mãe:

O marido trabalhando e eles se divertindo com a mãezinha.

...

São caras assim que me enchem o saco.

O bar é uma merda, o café é uma merda, então pedi um conhaque e fui até a jukebox colocar alguma coisa que não tenha cinco palavrões em cada sete palavras ditas.

Marvin Gaye é sim um gentleman,. Quando Marvin Gaye vai voltar pra nos salvar da mediocridade moderna? Por isso as garotas embarcavam na do cara. E ainda tinha aquele vozeirão; “Whats going on...”

No balcão, junto do rádio, onde ficava a turma dos fãs dos palavrões, parece que o Marvin não agradou. Piorou quando entrou a outra faixa, Um funkão nervoso, classicão, anos 70 total. Então levantei mais o volume do som e fui sentar do lado deles. O velho atrás do balcão deve ter achado que eu perdi o juizo. É, eu perdi sim, quando disse que esperaria você deixar aquele babaca.

Disse isso enquanto descascava uma laranja. Gosto de tirar a casca sem arrebentar. Gosto da simetria da espiral, dos pequenos jatos de suco ácido espirrando da casca. Gosto muito do canivete, e tenho orgulho da maestria com que uso o maldito, e por isso mesmo trago ele sempre comigo.

Sempre aparecem umas laranjas podres pra descascar nessa vizinhança






28.3.10

NO VALE ONDE NASCE AS ROSAS NEGRAS; E um nó cego na garganta do Coltrane, regado à um Macallan imaginário...













Termina mais um dia frio e cinza na fábrica. Hora de cair fora.

Bocada noite; Carros aos montes, fumaça, marreteiros e camelôs correndo para guardar as muambas, zumbis que correm rumo ao metrô archiesheppiano, para o trem do inferno. E o cheiro de mijo toma conta de toda a cidade. Ando.

Ralo meu caminho na sola do bravo all star. Uma velha grita, “socorro, fui roubada”, pivete corre, passa a meu lado a jato, mal vejo a cara. De dentro de um boteco um nóia é arremessado à calçada pelo dono. Na esquina seguinte, o policial corrupto faz o acerto com o passador de pó da quebrada. Nem me notam. Coloco os fones bem dentro das orelhas e aumento o som. O sax vibra, pula, pisoteia junto com meus pés, a calçada – sou invisível agora.

Nas próximas quadras tento não prestar atenção em porra nenhuma - nada me desperta o mínimo de sentimento. Sinto o Mount Rushmore jabeando as paredes do meu estomâgo,no outro canto a minha gastrite. Azia do caralho! Tento sufocá-la com a nicotina do meu marlboro amassado.

Sigo andando...

Na boate vizinha do meu hotel começa a movimentação. Primeiro chega o segurança, depois o porteiro, a garota da bilheteria e uma ou outra puta já circulam pelo espaço. Conheço todos. Entro. Rola um uísque falsiê, paraguaio, com rótulo, selo e tudo tão escocês quanto eu, vendido pra gringo otário que sempre aparece. Pelão é o barman.

"Se liga só nessa que arrumei..."

Sacou uma garrafa de Macallan 1926. Com um deste de verdade eu fodo até com a Monica Belucci. Me vendeu um por 20 pratas pra receber no fim do mês.

Tenho um esquema com ele...

Atravesso a rua e chego no hotel onde moro. Na entrada a sindica gorda, fedorenta, de dentes amarelados e hálito de doritos já vem logo berrando Num tem água hoje não. Pobrema la da impresa que cuida dos esgoto”.

Mentira.

A gente paga o caralho do aluguel e as contas em dia e a gorda ao invés de quitar as paradas, gasta toda a grana com chupadas nos pivetes da redondeza. Finjo que acredito por puro cansaço. Não tenho a menor vontade de brigar com a filha puta.

Entro no meu quarto, arranco o bico da garrafa pra beber no gargalo mesmo. Procuro por um disco... Encontro. Meto na velha vitrola pra rolar. Trane com Ellington; Quem diria que esse encontro poderia ser possível? Seis anos depois o sax tenor calou-se para sempre. Será que não é essa solução? Que diabos vou ficar fazendo nesse mundo se nem Coltrane não está mais por aqui pra me aconselhar?

Dou uma golada cumprida no uísque vagabundo. Fecho os olhos e imagino que seja de fato um Macallan...

Agora o sax ataca com vontade uma daquelas notas embaralhadas e suadas. O trampolim é uma boa saída. O hotel tem 5 andares, só ir até a lajona e pular. Mas tenho medo da altura, do vácuo, do voo, da brevidade e da gravidade da queda...

O uísque acabava rapidamente...

Volto o disco no começo. Linda a melodia da música de abertura.

Pra mim não tem mais começo...




27.3.10

ESCABECHE DE MONK MONTGOMERY NO BOQUEIRÃO E MAIS OUTRAS AZIAS MENOS NOBRES...











Escabeche!? Não sei se é assim que fala.

Uma praia filha da puta, um calor filha da puta, areia entrando e saindo de tudo quanto é buraco. E aquela filha da puta sumiu.

Além dos bons momentos, meteu a mão na minha carteira e levou as 67 pratas que ainda resistiam, bravamente, por lá. Meu maço de Camel e a garrafa de uísque vagabundo pela metade, também devem ter entrado na conta da piranha.

Ainda bem que ela não gosta de campary. Largou um fundo de garrafa do mesmo, por lá... Fiz um bom gargarejo com ele para logo em seguida vomitar tudo num jato certeiro pela janela.

Hotelzinho vagabundo mas tem lá um rádio velho, cafona, com cd player. Não tinha notado na noite anterior. Trepamos sem música mesmo, o que acho até bom, se você for pensar nas músicas que tocam nas rádios hoje em dia.

Enquanto fuçava minha mochila atrás de algo pensava com o que tinha sobrado de miolos ativos no meu cérebro:

"Como pode uma cara de quase cinquenta anos com uma garotinha que mal sabe dizer onde estamos no mapa, o lugar certo, caso eu precise de algum socorro imediato, de uma saída?!"

O certo é que fodemos a noite inteira

E como fodia a putinha. Rostinho de Madeleine Stone, corpo e safadadeza de Alexis Texas. Na medida! De certo não foi ela que me fez ficar mal... Deve ter sido o maldito escabeche que não ornou com a birita toda. E gim! Muito gim.

Quem me deixou beber gim? Caralho.

Hummm... Achei um cd do Monk Montgomery na mochila. Coloquei pra tocar, deitei na cama velha de mola e olhei para o teto amarelo de nicotina, sujeira e bolor . A tinta velha suava, eu suava e o suor escorria, a porra escorria.


Tudo vira geleia sob 40 graus. Tudo escorre vertiginosamente, Visceralmente!!! Ao som do baixo do Monk. E dizem que o inferno é um pouco mais pra frente e abaixo. Sei, mais em baixo o caralho...


E o maldito músico insiste em fritar meus miolos... Como é mesmo o nome do disco? Escabeche de miolos fritos?


Jazz maldito!