31.3.10

A HIPERBÓLICA SEQUÊNCIA SILÁBICA MÍSTICA E UMA VALSA EMBALANDO O CALVÁRIO DOS DESQUALIFICADOS













Dia filha da puta, noite de insônia cruel, porra nenhuma pra fazer dentro do meu quarto fétido; Todo uísque vagabundo acabou, nenhum miojo na prateleira, nos cinzeiros, todas as bitucas de um maço que até pouco tempo atrás era cheio dos pequenos barulhos vivos do laminado e nicotina. Na tv nem um David Lean, nem pinga e minha paciência, jaz... Não da pra ficar deitado, empacotado embaixo de cobertores.

Decidi cair pra fora.

Descendo a escada passei pelo balcão onde a gorda sindica fica. Tava lá de joelho pagando um boquete pra um michê. Até conheço o tipo; Ao sair me fez um aceno.Deus e o diabo devem estar de sacanagem comigo.

Na calçada, a galera da boate vizinha me fez um sinal. Atravessei a rua e fui até lá. Perguntei se tava “bom” o negócio lá e me disseram que estava melhor, que demorei muito pra colar na parada. Normal... Sempre estou bem longe da história toda, a vida inteira estive onde não deveria estar. É um talento nato e um trabalho ruim que sempre me faz perder a festa.

Saí andando.

Olhei meu velho relógio casio; Ele apontava 03:43 horas da manhã.

Ninguém, nem um cachorro sarnento sequer, na rua. Eu sei que a esta hora berlim deve estar começando a esquentar com todas aquelas pessoas querendo um pedaço da porra do muro, mas cá na City, só escombros. Todo cheiro de mijo que meu nariz inala, banha as desgraçadas histórias de vida daquelas pessoas amotinadas em seus quartos, chafurdadas em suas kitinetes de barro.

Desci a rua e parei no botecão da esquina. Sabia que era dia de carteado na salinha de estoque de bebidas. Dei o sinal e me liberaram a entrada.

Um anão cego dava as cartas. Isso me intriga.

Nunca confiei anões, mas decidi arriscar meus 30 contos. Tinha acabado o caxetão e começava as batidinhas de 10 pratas a rodada. Perdi as duas primeiras, depois só ganhei. O dia clareando e eu com 120 pratas no bolso e vários conhaques na cabeça. Cismei com o anão crupiê.

Passei a mão na frente dos olhos do filha da mãe, pra ter certeza de sua cegueira e sem vacilar o puto sacou uma pistola prateada, das grandes bem no meio do meu nariz:

Vaza daqui maluquinho”

Obedeci.

O velho casio me mostrava que já era 07:17 horas da manhã. Decidi ir tomar um café bem quente. Entrei numa espelunca “mama batatas fritas”.

Quem esses italianos pensam que são? Que porra de lugar teria um nome assim? No rádio, em cima da geladeira, uma voz dizia que em NY o papa usa sapatos de salto 15 e muita maquiagem, pra esconder as rugas. Depois entrou uns negrões que mandavam um funk moderno e barulhento,descrevendo o que eles fariam com uma branquela que se perde no gueto enquanto vai às compras. Filhos da mãe:

O marido trabalhando e eles se divertindo com a mãezinha.

...

São caras assim que me enchem o saco.

O bar é uma merda, o café é uma merda, então pedi um conhaque e fui até a jukebox colocar alguma coisa que não tenha cinco palavrões em cada sete palavras ditas.

Marvin Gaye é sim um gentleman,. Quando Marvin Gaye vai voltar pra nos salvar da mediocridade moderna? Por isso as garotas embarcavam na do cara. E ainda tinha aquele vozeirão; “Whats going on...”

No balcão, junto do rádio, onde ficava a turma dos fãs dos palavrões, parece que o Marvin não agradou. Piorou quando entrou a outra faixa, Um funkão nervoso, classicão, anos 70 total. Então levantei mais o volume do som e fui sentar do lado deles. O velho atrás do balcão deve ter achado que eu perdi o juizo. É, eu perdi sim, quando disse que esperaria você deixar aquele babaca.

Disse isso enquanto descascava uma laranja. Gosto de tirar a casca sem arrebentar. Gosto da simetria da espiral, dos pequenos jatos de suco ácido espirrando da casca. Gosto muito do canivete, e tenho orgulho da maestria com que uso o maldito, e por isso mesmo trago ele sempre comigo.

Sempre aparecem umas laranjas podres pra descascar nessa vizinhança






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