6.5.10

LACAN NUNCA CHEGA NA HORA DA ZONA MORTA...











O relógio não tem a menor utilidade.

Desde que voltei a City não saio do meu quarto e já nem sei quantos dias são. Quando parei de contar eram 12... Agora, oriento meu tempo pela janela; Quando a boate do outro lado rua ta fechada é cedo. Quando abre, já é tarde. Porque faço isso? Não sei. E porque haveria de fazer algo diferente?

O que tem de interessante para fazer nas ruas dessa City? Tomar uma cerveja? Comer uma puta? Comprar um pó? Ir até a Fabrica? Dar um pulo na boate, ver algum esquema com o Pelão? Pra que?

Já faz tempo que larguei de um punhado dessas coisas. Não tenho mais saco pra cheirar cocaína. Descobri que nada é mais alucinante que a realidade. O barato é algo relativo... Putas? Também não as quero porque elas são dignas demais. Prefiro as meninas de familia. Como aquela desgraçada, conformista que morre de medo da falta do talão de cheques do papaizinho rico. Eu trepo com essa porra porque não tenho vergonha na cara. Nem ela.

A Fábrica...

Foda-se os meus trampos! Pro caralho com os “prazos”. To nem aí. Daqui pra frente quem determina o prazo das minhas coisas sou eu. E das coisas dos outros que cairem na minha mão também. Não sei o que acontece. Ando tomado de uma raiva absurda. Sinto o gosto de ódio na saliva. No filtro do meu cigarro Camel. Merda. Que porra to fazendo nesse mundo? Porque eu tenho que passar por isso há tantas décadas? Quase 4 delas já. Suicídio? Oras... To dizendo que não sei há quantos dias to trancando num quarto, sem vontade de nada, vou me matar? E ainda por cima nessa City?!! Nem minha morte será algo... “edificante”? Ah pra porra...

Levanto da cama. Vou até a geladeira. Ultimamente tem sido minha única atividade, além de ouvir uns discos velhos de Funk B-Side dos anos 70. Vou com medo e ele se faz real:

Acabou as bebidas.

Tinha comprado um carregamento de cerveja, conhaque e cigarro pra não precisar falar com ninguém, ver a cara da rua, nem de filho da puta nenhum. Porra! Tenho que sair.

Enfiei uma calça, meti a chinela no pé, vesti uma camiseta. Quando fui lavar a cara, tomei um susto. Minha barba estava enormeee! Cabeludão, estilo Jerry Garcia. “ah que se foda” - pensei. Tasquei lá uma água e desci as escadas.

Na recepção, a Gorda. Síndica, dona do hotel e cafetina de michê. Também era dona de umas putas. Mas o grosso dela era michê, crack e pó malhado, cheio do pó royal e isso vai dar merda pra ela mais cedo ou mais tarde.

Traficante vende droga e não, fermento.

Mas Gorda gosta de emoções fortes. Com a grana dos aluguéis que recebia já dava pra ela ficar de bouas. Mas não... A maldita viciou no mundo cão. Passa uns bagulho porque gosta do contato com os bicho solto, donos do negócio. Praga ruim...

Eitaaaa... virô urso é?”

Vai tomar no cu, gorda... Porra; Ta fechada a boate???”

Se orienta poeta. São 16:15 da tarde. O Pelão só vem la pelas cinco...”

Puta que pariu. Isso significava que eu teria que esperar, porque se eu subisse de volta pro quarto ficaria mais 90 dias la trancado! Fiquei encostado na porta do hotel, de costas pra ela, que aboletava seus quase 200 kilos atras de um balcão. Morava ali mesmo no apartamento atrás da recepção. Óbvio:

O hotel tem 5 andares sem elevador. Se ela tentasse subir meio lance de escadas, infartaria logo no começo... Acendi um cigarro e comecei a esperar o criolo. E guenta a Gorda contando causo! Porra de lingua de tamanduá do caralho!! Disseram que nem sempre a vida dessa coisa deprimente foi assim. Parece que o pai era um ricão ae. Tomou um bonde e com a decandência da City perdeu quase tudo. Sei lá... Foda pra pensar, a gorda não parava de falar!!!

Ce ta vendo alí poeta? Na esquina de cima, o prédio em cima da pastelaria do chineis? Parece que mandaro mais um prus inferno. E num é nóia; Ouvi dizer que é bicho solto, na frente mesmo do crime...”

Pau no cu dele, Gorda. Num tenho porra nenhuma com isso...”

É mais é bom você ficar isperto. O chicote ta istalando bonitu, aqui! Aquele otro seu amigo fez queném ocê, saiu com o instumentu dele nas costa e umas mala. Dexô dois meis de aluguel pago. Parece que vai dar um tempo fora. Mas ae voce voltô antes... Escolheu a hora errada hein poeta??”

O Gorda... Caralho porque você ta me falando isso? Eu não sei da vida dele, não quero saber e num to pra dar entrevista. Da pra me deixar quieto aqui, puta que pariu?!?!”

Xiiiiiiiiiiii... Ta de cu virado poeta? Precisa dar uma foda, hein? Só que uma bem dada, não cum aquela dondoca que ficô um monte de dia aí...”

O sangue veio nos olhos! Tirei o cigarro da boca, joguei fora, virei pro lado da gorda. Dei a volta no balcão onde ela ficava e grudei no pescoço dela, apertando com gosto mesmo:

Parada é a seguinte ô, tramela de burro; Eu não to nem aí pra que morre, quem vive, quem agoniza nessa porra! Não quero saber de nada! Não to preocupado com ninguém, não to nem aí pra você! Agora; Não entra numas comigo, Gorda! Me erra, que eu não sou esses michê, seus inquilino... Não dou bom dia pra cavalo, nem sou doador de sangue pra vampiro... Meus corre são outros. Sua vaca, desgraçada...”

Arrrrghhh... Miiiiiiiii soltaaaa filha da puta!”

Não sei o que passou pela minha cabeça. Talvez em algum momento deva ter sentido vontade de matar a gorda. Que falta aquilo ia fazer? Pra que vivia, também? Que mal teria se eu matasse aquela infeliz? Vai ver seria até um favor pra ela... Eu apertava aquele pescoço gordo com força mesmo... Pra calar aquela boca maldita de uma vez, sei lá... Senti uma mão forte me puxando pra trás, tirando-me de cima dela. Era o Pelão que tava chegando. Me deu uma gravata por trás, grampenado legal, mesmo:

Qualé poeta, ta louco?!?!”

Me solta, porra...”

Aquieta caralho...”

Me solta negão...”

Ele me soltou da gravata virando-me de frente com ele. Dei de cara com a medalinha de São Jorge, no meio do peito do negão. Me disse:

Poeta eu num gosto de fuzuê e ce ta ligado. To falando pra você parar, na boa, no respeito. Qual vai ser? Tu vai me ouvir ou vamo cair pro terror pra resolver essa quizira? Caralho, poeta... É matar mesmo a Gorda que você quer? Se for isso me avisa e mata logo mas sem fazer zuada mermão. Então??”

Ele me soltou. Olhei pra gorda lá... Tossindo, agonizando, me olhando com olhos de satanás, tipo me jurando; “Ce ta fudidu filho da puta, vai ter a volta...” - Falou. Olhei pra ela, virei pro Pelão e falei:

Não, cara. Não quero matar essa porra não. Quero alguma coisa pra beber. Rola aquele nosso esquema lá?”

Demorô, poeta. Vamo lá pra boate” - Fui com ele.

Enquanto atravesava a rua, a Gorda me xingava. Foda-se ela...



4 comentários:

Tinho disse...

puta texto esse! gotei um montão! a gorda então é x-9 mano? ja ja vão passar ela ein... kkkk

um salve ae!

Camila disse...

hummmm... Começam acontecer coisas na City. Os personagens dão as caras. Gosto disso. Muito legal esse dinamismo e o jeito que vcs juntam musica, texto... Tudo roterizadinho. Time muito afiado hein?

Melhor texto que li aqui!

Roberta disse...

hehe... E o ar parece que tamo começando a pesar nas mentes desses personagens. O texto é muito bom porque consegue passar a tensão, é uma cena, um curta pronto! poxa, bem legal, parabéns!

Daniel disse...

Cara que loko.. é uma cena de cinema! Vcs escrevem filmes, e fazem trilhas sonoras, enfiam tudo na city... Gostei muito desse texto!